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SOU O QUE SEREI

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

PORRA, PAI!



(originalmente publicado no fanzine 4x4 nº 2)




Não foi nenhuma surpresa quando meu pai revelou ser um lobisomem. Minha mãe sempre angustiada. Desde sempre escutava barulhos estranhos vindos do quarto deles. Às vezes, o estilhaço da janela. Pensava que os dois estavam sempre a brigar. Certo dia, mamãe decidiu ir embora, ficamos eu e papai meio abobalhados, sem saber o que fazer. Ele chegou sério pra mim, disse que eu já era um homem, já tinha quarenta anos, era hora de saber alguns fatos. Disse que era um lobisomem. Comecei a rir. Mas então tudo fez sentido. As quebradeiras que eu escutava eram de fato em noites de lua cheia. Isso mesmo, ele disse, mas não se preocupe, não é como nos filmes e livros, não faço mal a ninguém, não mordo ninguém, nas noites de lua cheia, quando me transformo, apenas saio pra rua e fico uivando e perambulando pelas matas, sua mãe havia se acostumado, mas quando começaram esses assassinatos ela cismou que eu tinha algo a ver, mas te juro que não fui eu, eu saberia se tivesse feito algo na minha forma lupina.

Os assassinatos haviam começado há alguns meses, corpos estraçalhados encontrados na mata. A polícia inicialmente pensou ser obra de algum animal selvagem, mas descartou a hipótese, nenhum animal conhecido da região poderia ter feito aquilo, certamente era obra de algum serial killer que estripava suas vítimas cruelmente com um arsenal de facas, bisturis e etc. Acreditei no meu pai, afinal é o meu pai. Continuei morando com ele, já que mamãe partiu sem me dar qualquer satisfação. Obviamente, nunca mais dormi em noites de lua cheia. Certa manhã, ele não saiu do quarto pra tomar café. Entrei e lá estava ele, ainda meio lobo, sobre uma poça de sangue. Havia sido alvejado com um tiro no peito. Diz a lenda que só uma bala de prata mata um lobisomem. Não sei se foi uma bala de prata que o atingiu, mas ele estava morto. Fiquei triste, mas estranhamente aliviado também, emoções confusas. Deixei o corpo no quarto. Não sabia o que fazer.

Vasculhei o quarto dele e a sala buscando alguma pista de mamãe, mas nada. Vou pra cama e fico deitado pensando no que fazer. Então escuto um barulho, como algo batendo na porta. Levanto bem a tempo de ver... meu pai. Meu pai adentrando em meu quarto lentamente, trombando em tudo. Estava de volta à forma humana, ou quase. Rosto muito pálido, babando, a ferida no peito ainda enorme, saltitante.

- Papai? – Tento falar com ele.

Mas ele apenas continua caminhando em minha direção, olhos vidrados. Então quando chega em mim, ergue os braços, abre a boca e me ataca, tentando me... morder!!?? Empurro ele violentamente. Digo pra mim mesmo que não é possível, mas é real, está ali. Meu pai se tornou um... um zumbi.

Ele parte de volta pra cima de mim, a boca aberta, ganindo e babando. Não tenho escolha. Felizmente sou um colecionador de espadas. Pego a cimitarra persa pendurada sobre a cabeceira da minha cama. Hesito por um momento, mas ao me defrontar com o olhar alucinado e furioso daquilo que foi meu pai, percebo que não tenho outra alternativa. Lembro dos filmes de zumbis, preciso acertar o cérebro. Dou um golpe certeiro, de cima pra baixo, bem no crânio. Ele desaba pesadamente ao chão. Não volta a se mover. Parece que está definitivamente morto.

Por via das dúvidas, cavo uma sepultura no quintal, melhor enterrá-lo logo. Ao terminar de cavar e pegar o corpo, novo susto. Percebo algo estranho no buraco na cabeça do velho. No meio de sangue e massa encefálica, parece haver algo metálico. Crio coragem e enfio a mão ali. Tem sim algo metálico. Parecem transistores, circuitos elétricos. Mas o que é isso? Enfio a mão também na ferida do peito, abrindo-a, e percebo também vários fios ali e componentes eletrônicos que não posso distinguir pelo tato o que são. Não entendo muito de elétrica. Mas concluo estarrecido que meu pai não é um ser humano. Seria uma espécie de... androide? Tipo Blade Runner? Caralho! Essa coisa é realmente meu pai? Não pode ser.

Não perco mais tempo. Jogo o corpo na sepultura. De volta à cama, só penso em dormir um pouco. Apago rapidamente. Mas no meio da madrugada, acordo com estranhos barulhos. Sons vindos da sala, como de alguém trombando em tudo. Não, não é possível, não pode ser que ele voltou. Vou até a sala e vejo... nada. No quarto do meu pai, também nada. Respiro aliviado e volto pro meu quarto, e então... me deparo com... um espectro luminoso. É ele. Meu pai. Uma forma translúcida, meio transparente, planando sobre o piso. Um... um fantasma. O fantasma de meu pai. Saio correndo, desesperado. Não posso mais ficar naquela casa. Pego a chave do carro na escrivaninha da sala e vou voando até ele. Dou partida, acelero como um maluco. Em nenhum momento tenho coragem de olhar pra trás. Não sei pra onde vou, apenas acelero ao máximo.

Depois de alguns quilômetros, sem mais nenhum incidente, tranquilizo um pouco e tenho um insight. Vovô Cleonfas. Lembro que minha mãe sempre falava com o vovô pelo telefone, e falava muito sobre meu pai, não sei exatamente o que ela falava, mas eram muitos relatos em prantos do tipo “não sei mais o que fazer” e tal. Talvez vovô possa me ajudar. Sei onde ele mora. É a única ajuda que me vem à mente.

No início da manhã chego em sua casa. Toco a campainha mil vezes, esmurro a porta desesperado, até que finalmente ele abre a porta:

- Josemiro? O que aconteceu?

Relato esbaforido todo o ocorrido, depois de tomar alguns calmantes que vovô me ofereceu ao perceber meu estado de nervos. Ele então suspira profundamente, se recostando em sua poltrona:

- Imaginei que você também viria até mim. Não queria mais me envolver nisso, mas não adianta tentar fugir. Muito bem. Vou te contar toda a verdade.

Minhas pupilas dilatam. Nem pisco mais.

- Seu pai não é um lobisomem. Nem zumbi. Nem androide. Muito menos fantasma. Seu pai na verdade é um ET. Um alienígena.

- O que? Mas o fantasma vagando pela casa... e o corpo... eu o enterrei... está lá.

- Não, não. Aposto que se formos até lá, veremos que a cova está aberta. Ele saiu. Seu pai é um metamorfo. Como todos de sua raça alienígena. Eles conseguem se transmutar em diversas formas humanóides diferentes. Esses malditos são manipuladores genéticos. Estão se infiltrando entre nós, engravidando nossas mulheres e aos poucos nos colonizando, criando sua raça superior. Seu pai foi abandonado por eles porque perdeu o controle de sua capacidade de transmutação. Assim ele se transformava naquele monstro parecido com lobisomem que você conheceu, sem ter muita noção de suas transformações. Ele preferiu renegar sua origem e tentar viver como um humano. Foi mais fácil dizer pra você que era um lobisomem do que revelar que estamos sendo invadidos. Quando foi alvejado, gravemente ferido, aparentemente passou a se transmutar sem controle em formas diversas. O fantasma que viu nada mais é do que ele em forma de pulsos elétricos, formato que esses ETs dominam bem. Os componentes eletrônicos que viu são verídicos. Eles dominam a cibergenética. Desde o nascimento, realizam diversas operações alterando os órgãos por estruturas biotecnológicas mais avançadas. Infelizmente sua mãe se apaixonou pelo cretino, e eles tentaram viver como um casal humano normal por todos esses anos. Até que, perto de enlouquecer, ela finalmente desistiu e fugiu. Foi pra bem longe tentando reiniciar a vida.

Eu apenas escuto, atônito, sem palavras. Ele respira profundamente e continua:

- Rapaz, eu já estou muito velho. Mas você pode fazer alguma coisa. Precisa deter esses invasores. Você é meio ET, meio humano, é uma mistura superior. Localize os aliens. Destrua-os. Não deixe dominarem nosso mundo.

Balanço a cabeça afirmativamente. Levanto e saio sem conseguir dizer nada. Cambaleio pela rua, meio perdido. Malditos ETs, destruíram minha família. Preciso pará-los. Mas, por outro lado, porque deveria fazer isso? Também sou metade alien. Se são uma raça superiora, porque não deixá-los dominar nosso mundo? Realmente não sei o que fazer, talvez seja melhor não fazer nada. Em meio a essas dúvidas, finalmente consigo balbuciar algumas palavras:

-Porra, pai!
  


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